terça-feira, 19 de setembro de 2023

O Caminho de Caravaca!

Livro resgata peregrinação à Santíssima e Vera Cruz de Caravaca

Uma das poucas rotas de peregrinação cristã contemplada com Jubileu Perpétuo – o próximo será em 2024 –, o Caminho de Caravaca, na Espanha, é apresentado em meu novo livro “Mistério em Caravaca - 100 Dias no Caminho de Santiago”, disponível com exclusividade no portal Amazon, em www.amazon.com.br/Luiz-Carlos-Ferraz/e/B08W2BFRSB/ref=aufs_dp_fta_an_dsk – em português e espanhol, em e-book e impresso.

Com início em Orihuela, a peregrinação envolve mais de 110 quilômetros e tem como meta a Santíssima e Vera Cruz de Caravaca – que conserva fragmentos da cruz do martírio de Jesus Cristo e está guardada na fortaleza Real Alcázar, em Caravaca de La Cruz, em Múrcia.

Ainda que o Caminho de Caravaca tenha identidade própria, atraindo peregrinos desde 1231, na região há uma confluência de itinerários medievais que levam a Santiago de Compostela, sendo possível considerá-lo uma rota tangencial do Caminho de Santiago – como o Caminho Lebaniego, na Cantábria.

Peregrino do Caminho de Santiago desde 2009, quando realizei o Caminho Francês, minhas peregrinações estão registradas em livros – nove no total, todos disponíveis no formato e-book no portal Amazon. Destaque para “Juntos no Caminho de Santiago, as pedras do Caminho Inglês”, premiado no II Certame Internacional de Investigação do Caminho Inglês, promovido pelo Conselho de Oroso, na Galícia, Espanha.

Buen Camino!

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Mudanças

Para onde terá ido o belo pássaro?, pergunta o peregrino

Acessando agora minha timeline no Facebook, que não atualizo desde 13 de junho de 2022... sim, a poucos dias, ou horas, de completar um ano, ou um ciclo, seja por um ou outro calendário que você prefira acompanhar seus passos..., constato o quão é significativa, especialmente para mim, a imagem da gaivota totalmente livre alçando voo sob o céu do que se convencionou chamar de fim do mundo – e que reproduzo acima. Para onde terá ido o belo pássaro após aquele momento? Por um instante, esse mistério eterno me movimenta, fazendo seguir tranquilo, atravessando as pedras, com ânimo e alegria, com os olhos espertos e coração sensível.

Tenho tanto para contar sobre minhas últimas... ops, sobre as mais recentes peregrinações, realizadas em junho do ano passado, pelo Caminho da Santíssima e Vera Cruz de Caravaca, desde Orihuela até o magnífico santuário, e pelo Caminho de Santiago (na direção que entendo a peregrinação ao Apóstolo de Jesus), descobrindo a fantástica rota desde Muxía, passando por Finisterre, até a Cidade Santa. Dois trechos pequenos, mas muito intensos, com vibrações que sei permanecerão até o fim dos meus dias e fazem o corpo tremer quando neles penso... Cada vez mais me aprofundo no silêncio e foco na paciência, a virtude na qual busco aquietar meus anseios.

Buen Camino!

sábado, 9 de julho de 2022

E daí? Fiz o Caminho Aragonês!

Peregrino na Praza do Obradoiro

Texto abaixo foi escrito há 10 anos...

De trem não é a melhor forma do peregrino chegar a Santiago de Compostela. Mas para mim esta foi a alternativa possível de reencontrar a magnífica Santiago de Compostela, após fazer a peregrinação pelo Caminho Aragonês, de Somport a Puente la Reina – pelas minhas contas, cerca de 190 quilômetros a pé. E apenas até Puente la Reina, pois a partir daí, ou melhor um pouco antes, em Obanos, o Caminho Aragonês se une ao Caminho Francês. E foi exatamente o Caminho Francês que inaugurou, em 2009, a série de minhas peregrinações pelos Caminhos de Santiago. Naquela oportunidade, iniciei o Caminho Francês em Saint Jean Pied de Port e peregrinei em torno de 800 quilômetros a pé nos meses de junho/julho, o que está relatado no primeiro volume da trilogia “Pedras do Caminho”.

Por já ter feito o Caminho Francês, e talvez nem tanto por isso..., afinal, penso em fazê-lo outra vez... mas, pelo fato de ter pouco tempo de férias, não teria condições de continuar a peregrinação pelo Caminho Francês por mais de 600 quilômetros e seguir a pé até Santiago de Compostela.

Além do mais, assim é o Caminho Aragonês: apenas um trecho, em torno de 165 quilômetros – embora no meu caso dei uma ampliada e desviei por uma rota tangencial que leva aos Monastérios de San Juan de la Peña... Como foi possível acompanhar, o Caminho Aragonês atravessa os Pirineus, desde Somport, na divisa com a França, para encontrar em Obanos a rota mais famosa a Santiago de Compostela. A travessia dos Pirineus o coloca ao lado do Caminho Francês e, além da beleza da paisagem, é reconhecida a grande importância que sempre teve na condução de peregrinos por aquela região do Aragão, fosse para Santiago de Compostela, fosse para o trabalho contínuo de evangelização e domínio espanhol em outros pontos da Península Ibérica, na guerra contra os muçulmanos.

Não pensava, contudo, que para um peregrino fosse tão decepcionante adotar outro meio, que não os próprios pés, para ir ao encontro de Santiago. Uma decepção, certamente, que não me contagiou naquele momento, nem deixei que me contagiasse, pois o Caminho Aragonês é fantástico, proporciona experiências únicas e eternas... e, afinal, estava agora em Santiago de Compostela.

Na verdade, não importa se cheguei a pé, a cavalo, de bicicleta, de ônibus, trem ou avião, pois sempre defendi, como peregrino, o respeito a todos os peregrinos que chegam a Santiago por qualquer meio. Como, então, iria me martirizar por ter chegado de trem, e ainda mais, depois de ter peregrinado o fantástico Caminho Aragonês?

Cheguei a Santiago no início da noite de 10 de junho, sob uma fina garoa e me instalei num hotel junto ao casco antigo, já pensando no dia seguinte, em adentrar a Catedral, rever e tocar o Pórtico da Glória, dar um forte abraço na cabeça da imagem de Santiago, por trás do altar-mor, agradecer e orar junto às relíquias do Apóstolo de Cristo, na cripta, confessar, comungar, participar na missa do peregrino e, enfim, vibrar com o espetáculo do botafumeiro!

Fotos, filmes, registrei detalhes da Catedral que não percebi nas duas outras vezes que lá estive, em 2009, ao final do Caminho Francês, e em 2010, Ano Santo, após completar o Caminho Português, desde Oporto. Quantos detalhes! Quantos ainda verei nas próximas vezes em que retornar a Santiago.

Após algumas horas, depois de entrar e sair várias vezes da Catedral, experimentando as várias portas, subindo e descendo as escadarias, sempre sob uma fina garoa, aproveitei para me deliciar com a culinária galega e segui, finalmente, para conhecer a Cidade da Cultura. Fiquei deslumbrado com a concepção e a construção, que já tinha visto num especial de tevê no Brasil, e me motivei a escrever reportagem, capa na edição de junho de 2012 no Jornal Perspectiva, disponível no site www.jornalperspectiva.com.br

Estava programado para ficar mais um dia em Santiago de Compostela – antes de partir para Santander, para descansar na casa dos amigos José Antonio Soto Rojas e Luz Maria, e compartilhar também com o filho José Antonio Soto Conde, que havia passado lua de mel no Brasil, em 2011, com a esposa Maria Angeles, e estavam comemorando o primeiro aniversário da filha Sofia.

No dia seguinte, terceiro e último dia em Santiago de Compostela, voltei a caminhar pelas ruas de pedra, fui à nova Oficina de Peregrinos, para colocar o selo em minha credencial que comprova o Caminho Aragonês. Embora não tivesse o direito de obter mais uma Compostelana, como nas vezes em que completei o Caminho em Santiago de Compostela, fiz questão de colocar o selo, pois, afinal, registra minha passagem por Santiago.

Após a missa, pela primeira vez, fui conhecer o Museu da Catedral, o claustro, o Panteão Real, a Biblioteca, onde está uma réplica do botafumeiro e onde, até aquela data, uma réplica do Codex Calixtinus ocupava o lugar do exemplar original, que havia sido furtado e, até então, continuava desaparecido – mas que viria a ser encontrado dias depois, no início de julho, na garagem na casa de um ex-funcionário da Catedral.

Quantos detalhes! Quantos ainda verei nas viagens futuras a Santiago.

Ah! Da próxima vez chegarei a pé!

Cruz de Santiago na Catedral de Compostela

Coluna do Pórtico da Glória

Imagem de Santiago Apóstolo no altar-mor da Catedral de Santiago

Botafumeiro, no interior da Catedral de Santiago

Freira orienta fiéis sobre os cânticos antes da Missa do Peregrino, na Catedral de Santiago

Santiago Peregrino na fachada da Catedral de Santiago, na Praza do Obradoiro 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Meu reencontro com o Caminho Francês

Ponte junto ao Cruzeiro de San Blas, deixando Monreal

Texto abaixo foi escrito há 10 anos...

7ª etapa – Monreal a Puente la Reina (31,2 km)

Sexta-feira – 08/06/2012

Dormi ouvindo as badaladas do sino da Igreja da Natividade de Nossa Senhora de Monreal e exatamente às seis horas fui acordado pelo primeiro dos seis badalos; e me lembrei da alcadesa do pueblo. Levantei disposto naquela manhã de 8 de junho, ansioso em fazer a última etapa de minha peregrinação pelo Caminho Aragonês a Santiago de Compostela.

Pela janela conferi que não estava chovendo e confiei que o tempo abriria, como viria a acontecer, e poderia desfrutar da bela etapa, que desde Monreal atravessa inúmeros pueblos de Navarra e, pouco antes de chegar a Puente la Reina (em euskera, Gares), oferece ao peregrino a fantástica Ermita Santa Maria de Eunate – uma construção em formato octogonal, envolta em lendas e mistérios –, que, no meu caso, marcaria um reencontro, pois estive lá em 2009, quando peregrinei o Caminho Francês, desde Saint Jean Pied de Port. Naquela ocasião, curioso pelos segredos do Caminho, fazia a etapa de Pamplona a Puente la Reina, quando, em vez de seguir direto de Muruzábal a Puente la Reina – cerca de 4,1 quilômetros –, sai do Caminho Francês e peguei outra estrada, de 4 quilômetros, que me levaria à Eunate. Além de reencontrar Santa Maria de Eunate, aquele dia seria marcado, enfim, pelo reencontro com o meu primeiro Caminho a Santiago de Compostela.

Ao deixar Monreal uma placa sinaliza a extensão de 30,4 quilômetros até Puente la Reina. Um caminho que resgata o antigo traçado jacobeo e passa por Yárnoz, Otano, Ezperun, Guerendiáin, Tiebas, Campanas, Muruarte de Reta, Olcoz, Enériz, Santa Maria de Eunate e Obanos – pueblo que também recepciona os peregrinos que chegam pelo Caminho Francês e que, na verdade, é onde os dois importantes Caminhos de Santiago, os dois Caminhos que atravessam os Pirineus, o Francês e o Aragonês, se encontram... Hoje, esse marketing é aproveitado por Puente la Reina.

Não muito distante outra placa indica o Cruzeiro de San Bras, a 120 metros, de estilo gótico renascentista, e alerta que faltam os braços da cruz, que talvez sinalizasse o cruzamento do Caminho de Santiago com o Caminho de Labiano.

O primeiro pueblo do Valle de Elorz é Yárnoz, posicionado na ladeira Norte da Serra de Alaiz. Yárnoz é citado em documentos medievais do século XII e conserva a Igreja da Natividade, do século XIII, que sofreu grande reforma no século XVI, para suportar uma nova abóboda. Com retábulo barroco do século XVII, destaca a imagem da Virgem com o filho, românica, de princípio do século XIII. Ao lado, uma torre medieval é o único vestígio de um palácio construído no século XIV ou XV, cuja função, além de moradia, foi vigiar e defender. A torre tem uma planta quadrada e apresenta mudança de sillar (pedra polida), o que indica que sua construção foi feita em etapas. A ela estiveram vinculadas personagens importantes, como Lope de Yárnoz, escudeiro de honra do rei Carlos III, o Nobre, de Navarra, que morreu no começo do século XV a serviço do rei da Sicília.

A passagem por Otano se faz por uma porteira, na encosta da Serra da Alaiz. Em seguida, está Ezperun; e 5,1 km depois, Guerendiáin, onde sou recepcionado por um cachorro alegre e barulhento. Na saída do pueblo uma placa indica que Tiebas está a 3,8 km e Puente la Reina, a 21,2 km. Por trilhas que sobem e descem a encosta da Serra, avisto ao longe, à minha direita Pamplona, a capital da Comunidade Foral de Navarra.

A entrada em Tieblas é marcada pelas ruínas do castelo medieval, reconhecido como bem de interesse cultural, mas que há muito tempo espera restauração. A princípio minha ideia era fotografar as ruínas e seguir o Caminho, mas o encontro com um morador do pueblo me deteve no local. Ele insistiu para que conhecesse a bodega: “Vir até aqui e não conhecer a bodega, não é possível!”, disse o simpático senhor, que me apontou o acesso para a bodega subterrânea com abóboda de pedra.

O castelo foi construído por Teobaldo II, de Champaña, rei de Navarra (1253-1270), em meados do século XIII. Em estilo gótico francês, tem planta retangular, com dois pisos organizados em torno de um pátio central, e serviu de residência a vários monarcas navarros, como o próprio Teobaldo II, Enrique I e Carlos II. Foi também arquivo real, sede da tesouraria, prisão da Coroa e, em algumas ocasiões, lugar de execução.

O castelo foi destruído em 1378 durante a guerra com Castilla e esteve abandonado até meados do século XV, quando foi doado à nobre e poderosa família de los Beaumont, sendo reconstruído por Juan de Beaumont. Depois passou à Casa Ducal de Alba, em cujo poder permaneceu até o século XIX.

Ainda em Tiebas, entro no albergue, junto à Igreja de Santa Eufêmia, românica, para selar minha credencial. No bar, aproveito para tomar um café com leite e comer um bocadilho, reencontrando o grupo de peregrinos espanhóis que conheci em Arrés, o casal Fernando e Rosa, Jesus e Pedro. Eles saem primeiro e, antes que eu retome o Caminho, entra o casal Pache e Sara, também do histórico encontro de Arrés.

Sigo minha peregrinação e, vendo nuvens negras no céu, penso que o tempo mudará, mas isso não acontece. Após 3,8 km de caminhada, passo por Muruarte de Reta, e logo chego a Olcoz, cuja marca é a torre medieval quadrada. Diz a placa que a torre é do começo do século XVI e foi construída pela família Ozta. No século XVIII foi ocupada pelo Marquês de Fortegollano. Hoje, não possui telhado ou qualquer divisão interior, devido aos saques e ao incêndio provocado por Francisco Espoz y Mina, na Guerra da Independência, quando estava ocupada por tropas polonesas às ordens de Napoleão.

Peregrino alemão subindo a Otano

Em Obanos, sim!

Sigo meu Caminho Aragonês a Santiago de Compostela e apreciando, de longe, Añorbe, cruzo com a placa que indica a Ermita Santa Maria de Eunate a 5,2 km e o pueblo Puente la Reina a 10,1 km. Atravesso Enériz, que possui uma igreja do século XVIII e uma praça com um curioso monólito; estou muito perto da Ermita Santa Maria de Eunate.

Começa a passar um filme em minha cabeça e lembro a peregrinação pelo Caminho Francês, em 2009, quando fiz o desvio em Muruzábal, rumo ao Caminho Aragonês, indo ao encontro de uma das construções mais emblemáticas do Caminho de Santiago. Para saber detalhes dessa primeira vez, leia “Minha terra tem palmeiras...”, no primeiro volume da trilogia “Pedras do Caminho”.

Enfim, reencontro a Ermita Santa Maria de Eunate.

Eunate, em euskera, significa 100 portas, ou pode derivar de “bem nascido”. Cercada de mistérios, românica, do século XII, a origem da ermita não é muito clara, podendo ter sido construída pela Soberana Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém, os cavaleiros templários – tal a sua semelhança com a Mesquita da Rocha de Jerusalém –, ou pela ordem hospitaleira de San Juan de Jerusalém, ou ainda pela Confraria de Santa Maria de Eunate..., com a finalidade de ser uma igreja, hospital de peregrinos, igreja funerária, poço de acesso às catacumbas romanas.

A originalidade da ermita se deve a sua estrutura octogonal, tanto na planta como no pórtico que a rodeia, com capitéis que destacam figuras humanas, seres fantásticos... É coberta por uma cúpula chanfrada de oito nervos em estilo muçulmano. Possui uma única porta de ingresso e no lado oriental uma cabeceira semicircular, no interior, e pentagonal, no exterior.

Quando cheguei estava fechada. Dirigi-me ao prédio vizinho, onde funciona um albergue de peregrinos, e o hospitaleiro, após selar minha credencial, a abriu especialmente para mim, deixando-me só no templo.

Ao sair de Eunate, cada vez mais me lembrava da primeira peregrinação. Após 2,4 km cheguei a Obanos e revi a placa que sinaliza o pueblo. Parei num bar para comprar água e ao retomar a caminhada cheguei à Plaza de Los Fueros, onde está a Igreja de São João Batista de Obanos, que neste ano comemora seu centenário... Olhando cada ponto da praça percebi, do outro lado de onde estava, a chegada de peregrinos... um, em seguida um casal, mais dois... realmente, a famosa solidão do Caminho Aragonês ficara para trás; havia me reencontrado com o Caminho Francês e assistia ao fabuloso movimento de peregrinos pela tradicional via.

A partir dali, com absoluta certeza, os dois Caminhos se tornavam um..., apesar de que, só após 3 km, já em Puente la Reina, em frente ao Albergue Jakue, antes de chegar ao pueblo, a estátua em homenagem ao peregrino, exibe a seguinte inscrição: “Y desde aqui todos los Caminos a Santiago se hacen uno solo”.

Puente la Reina é um pueblo atraente e exibe um dos ícones do Caminho de Santiago, a ponte românica sobre o Rio Arga, com sete arcos, 110 metros, construída no século XI para facilitar a passagem dos peregrinos que vinham da França e outros países da Europa. Seu nome presta homenagem a uma rainha que teria tido a iniciativa de construir a ponte: Muniadona Sánchez, esposa de Sancho III, o Mayor, ou a nora Estefanía de Foix, casada com García Sánchez III.

Outras joias arquitetônicas de Puente la Reina merecem ser visitadas, como a Igreja de Santiago, do final do século XII; a Igreja do Crucifixo, românica do século XII, ao lado do atual albergue e do antigo hospital de peregrinos, hoje Colégio dos Padres Reparadores; e o Convento dos Trinitários, do século XIII, ampliado no XVI e reformado no XVIII, localizado em frente à Igreja de Santiago. E ao longo da Calle Mayor existem inúmeras casas com portas medievais e renascentistas e fachadas barrocas. Uma coleção de casas em formato de palácio que fazem da Calle Mayor um cenário magnífico.

Na manhã do dia seguinte, peguei o ônibus até Pamplona e, em seguida, fui de trem para Santiago de Compostela.

Ruínas do Castelo de Tiebas
Ermita de Santa María de Eunate, um dos hits do Caminho Aragonês

Portal ao lado da Igreja São João Batista em Obanos sendo cruzado por peregrinos do Caminho Francês
Igreja do Crucifixo, século XII, em Puente la Reina

A famosa ponte que dá nome ao pueblo de Puente la Reina sobre o rio Arga

terça-feira, 7 de junho de 2022

Fui levado pelo vento

Início do sexto dia de peregrinação, avistando Rocaforte

Texto abaixo foi escrito há 10 anos...

6ª etapa – Sangüesa a Monreal (27 km)

Quinta-feira – 07/06/2012

Vinte e sete quilômetros, segundo o guia El País/Aguilar, ou 30 quilômetros, para o guia Rother, pouco me importou a extensão desta sexta etapa do meu Caminho Aragonês a Santiago de Compostela, entre Sangüesa e Monreal. Apesar da distância considerável, que exigiu cerca de sete horas de peregrinação, as características desta etapa – com belas paisagens, pueblos pequenos, aparentemente perdidos no tempo, e a extrema solidão... em sintonia com tudo o que se espera do Caminho de Santiago – as tornaram leve, doce, um autêntico passeio nas nuvens... Diria que fui levado pelo vento, o mesmo vento que impulsiona as hélices dos muitos parques eólicos que predominam nessa região da Comunidade Foral de Navarra.

Peregrinando a penúltima etapa de meu Caminho Aragonês, de Sangüesa a Monreal, embora com uma vontade impossível de continuar o Caminho, já sabia que deveria me contentar em finalizar a peregrinação deste ano em Puente la Reina, o que representava apenas mais um dia de caminhada, quando o Caminho Aragonês se integra ao Caminho Francês. Diante desse impasse comigo – aliás, um pensamento que me perseguiu durante todo o dia –, fiquei na dúvida em manifestar qualquer tipo de comemoração. Mas, claro, chegar são e salvo a Monreal foi motivo de festa!

Acordei cedo, talvez com o alarme do celular, ou quem sabe com as vozes em frente ao hostal onde descansei em Sangüesa. Abri a janela e vi apenas o peregrino Jesus, que estava no grupo com o casal Fernando e Rosa e Pedro, que conheci em Arrés..., atravessando a ponte sobre o Rio Aragão, em direção ao centro do pueblo, no sentido inverso ao caminho para Monreal... Ao final do dia viria a saber que, com dores no joelho, Jesus não teve condições de fazer esta etapa a pé... E na noite anterior, Xavi já havia abandonado a peregrinação.

Comparando os episódios a dois raios no mesmo lugar, redobrei minha cautela e me preparei para mais esta etapa como se fosse a primeira. Ou a última... Ainda no quarto, tomei o café da manhã com frutas, chá energético e o bocadilho que havia comprado no dia anterior. Disposto e confiante, iniciei o Caminho em direção a Rocaforte, ou Sangüesa la Vieja... onde Francisco, ao peregrinar a Santiago de Compostela, em 1214, fundou o primeiro convento franciscano da Espanha. Ele teria entrado na Espanha pelo Caminho Aragonês e, segundo a tradição, dormiu em Undués de Lerda e de lá seguiu até Sangüesa. Em 2014, quando se completam 800 anos da peregrinação de Francisco, é grande a expectativa no Caminho de Santiago.

A partir de Rocaforte já é possível avistar as hélices de um grande parque eólico da região, que produz a energia limpa através do vento – uma imagem que me acompanhará em vários outros pontos dessa etapa. Perto, uma placa sinaliza a fonte de São Francisco, que data do século XVIII, hoje área de lazer, equipada com churrasqueiras.

O Caminho começa a subir ao Alto de Aibar, entre campos de cereais, e segue num constante sobe e desce pelo Vale de Ibargoiti, que ocupa uma zona de transição entre as montanhas pirenáicas e a Navarra meridional, com vários bosques e pequenos pueblos, como Abínzano, Celigüeta, Equísoain, Idocin, Izco, Lecáun, Salinas, Sengáriz e Vesolla, formado por “gente acolhedora, acostumada pela passagem de viajantes e peregrinos”, como anuncia uma placa turística.

Pouco mais de 16 quilômetros desde Rocaforte e encontro Izco, com sua população de 50 habitantes..., e logo em seguida, Abínzano, com 20 habitantes..., que exibe uma igreja dedicada a São Pedro Apóstolo, de estilo barroco. Assim como os demais pequenos pueblos do Vale de Ibargoiti, Abínzano tem sua economia baseada na agricultura do trigo, da cevada, entre outros cereais.

Continuo a peregrinação deslumbrado com a paisagem... e após cerca de cinco quilômetros avisto a torre da Igreja de São Miguel, românica, do pueblo de Salinas de Ibargoiti, em cuja entrada existe uma bela ponte medieval – que, aliás, cheguei a pensar que estaria chegando a Monreal. Uma confusão que deixei registrada num vídeo que resume esta etapa, e que pode ser visto no Youtube, em www.youtube.com/watch?v=I0g5C1MtwyY

Dois quilômetros depois, após um pequeno bosque, aí sim, encontro a placa que indica Monreal – ou Elo, em euskera, o idioma basco –, e próximo à famosa ponte medieval.

Monreal está localizado a 18 km de Pamplona, a capital da Comunidade Foral de Navarra, e possui cerca de 500 habitantes. Documentos medievais do século XII já citam o pueblo de Monreal, ora como Mone Real, ou Mont Real, Monte Real, Monte Realle, Monte Regale, ou ainda Montis Reyalis; nome que teria sido dado pelo rei de Navarra, Garcia Ramirez, o Restaurador.

Entre outros registros históricos, sabe-se que abrigou importante colônia de judeus e teve o direito, por um tempo, de cunhar moeda própria. Teve um castelo que serviu de residência de caça dos reis de Navarra, cuja derrubada foi decidida pelos monarcas em 1521.

Hoje, seu monumento mais precioso é a Igreja da Natividade de Nossa Senhora de Monreal, dos séculos XVI a XVIII, que possui uma arquitetura diferenciada, conforme destaca folheto do Arcebispado de Pamplona e Tudela. O templo é marcado por uma parte mais antiga, gótica, e outra moderna, fruto de sua ampliação. As esculturas mais significativas são as de Jesus Crucificado, da primeira metade do século XVII, e o grupo renascentista de Santa Ana, localizado no altar de São Francisco Xavier... Vale a pena fazer uma visita guiada e conhecer o museu da Igreja.

Em Monreal não fiquei no albergue de peregrinos. Cheguei a me inscrever, selar minha credencial, pagar, tomar banho, arrumar a cama... aliás, pela primeira vez no Caminho Aragonês usaria o saco de dormir sobre o colchão... mas, aproveitando que a conexão wifi estava falha, tive motivo para juntar tudo de novo e mudar meu plano de permanecer no albergue. Instalei-me na Casa Rural, a menos de 50 metros de distância, em frente à praça. Fui recepcionado por um atencioso proprietário/hospitaleiro que, junto com a senha de acesso rápido à internet, contou histórias hilárias sobre peregrinos brasileiros, indicou-me o guia da igreja, o restaurante..., e colaborou para que minha passagem por Monreal fosse perfeita. Afinal, no dia seguinte estava determinado a fazer a última etapa do meu Caminho Aragonês.

Rumo ao Alto de Aibar, a caminho de Monreal

Plantações no Alto de Aibar
Muito perto de Izco, antes de chegar a Monreal